É um chegar a casa, acorrentado pelos dramas vizinhos dos nossos irmãos, num fato e gravata e chapéu e mala tão industrias e iguais como os do vizinho do lado e do de cima.
Arrasto-me até á porta, pego das chaves com o porta-chaves de unicórnio rosa (que mais me lembra aquele desenho animado ranhoso antigo, que as meninas gostavam, e que se calhar gostam. My Little Poney, creio eu.)
Sinto aquele perfume característico. É uma mistura de café matinal, com tabaco da noite anterior e torradas não acabadas duma hora qualquer, em conjunto com os nossos perfumes diários que te ofereci naquela Quarta-feira chuvosa.
Vinhas chateada porque o dia estava a correr mal, e passo a citar:
" - Este dia foi uma merda inorgásmicamente arrepiante".
Eu sabia que tinha feito bem em ter comprado aquele presente naquele dia, aquela folha de árvore naquela manhã de Outono guiou-me directamente para a montra.
Chamei-te, mas não vieste. Pensei que tivesses ido fazer as compras da semana, visto que os cereais e a fruta estavam a acabar.
Tirei o casaco, pu-lo no cabide e repousei no sofá.
Nem um minuto foi necessário contar, estavas tu á porta da sala.
Camisa branca, semi-desbotoada, com o teu cabelo negro longo a tapar-te metade da cara, e tinhas calçada aqueles botins de marca que comprámos em Paris na nossa viagem trimensal. Épica deveras.
Da tua boca, proferiste as palavras que oiço diariamente, mas que porra não me canso nem por nada " Tive saudades tuas amor ."
É tudo o que chega para me tirar o que vinha agarrado que nem lesma infernal e me colocar numa temperatura única, um género de frio-quente. Sensual até.
A minha mão direita chega imediatamente á tua face esquerda, puxando a tua boca até à minha, e a mão esquerda agarra-te pela cintura para te juntar. Tinha saudades já, e só se tinham passado oito horas.
Nunca sei quanto tempo passa quando realizamos este ritual tão gostoso. Mas também, quem quer contar o tempo? Que coisa mais irritante que podia-se criar.
Desgrudo-me da tua pessoa, para ir colocar música para criar o ambiente.
Tenho tanto por onde escolher.
Frank Sinatra, Cunnie Williams, Lighthouse Family, Ray Charles, Barry White. Enfim...
Dou ao Fadum para ser ele a escolher.
Cunnie Williams " Hopefully It Won't Happen".
Melhor não poderia haver.
Começa a tocar, e ponho em replay para este ambiente predominar até nos cansarmos ou querermos outra.
Guio-te pela mão até ao quarto, para a nossa cama King-Size de lençóis portugueses. Mas vejo que já te tinhas adiantado, ao colocar velas com cheiro a Ópio e pétalas de túlipas brancas a cobri-la.
"- És mesmo fogosa amor", sussurava eu em Inglês aos ouvidos élficos dela. Sinto ela a vibrar, ficando com aquela pele de galinha tão característica quando na presença do meu sotaque "exótico", na opinião dela.
Já me puxava para a cama pela gravata, tal como que personagem dos filmes dos anos 20.
Envolveu-me naquela sua aura, que me deixa sem fôlego mais rápido que a luz, e começa beijando meu pescoço (ela sabe o quão louco isso me deixa).
Desenvolve-se tudo rapidamente, e as velas começam tomando efeito no ambiente, ao som do cantor eleito.
Num flash, já estamos como quando viemos ao Mundo, e é como nos gostamos de ver um ao outro.
Já te vejo e sinto comigo. Entrámos no nosso Mundo intemporal e abstracto, tal como gostamos.
O teu calor corporal, em conjunto com o meu frio natural, faz-me querer-te tanto mais, pois contigo derreto-me.
O teu cabelo negro esvoaça pelo quarto, e os teus olhos avelã fitam os meus de madeira.
O ambiente aqueçe.
Já não chega a cama, nem os lençóis. Precisamos de abrir horizontes. Precisamos do céu, do espaço. Do Infinito.
Aqueçemos, aqueçemos, e aqueçemos mais. Ficamos loucos.
Contra a parede fria, pedes-me. Não, suplicas para que te possua como se não ouvesse amanhã. Que faça investidas como que se fosse o Sol incarnado. Já te falei que nas tuas mãos, sou teu escravo? Sussurro novamente para ela " Your wishes are my command milady".
Ultrapassamos a escala standart da temperatura.
Estamos no limite. Arranhas-me as costas. Mordo-te o pescoço.
Os teus seios voluptosos enrijecem e são-me tentadores durante o acto Divino todo.
Falta pouco. "Amo-te!", diz me ela entre os seus fôlegos animalescos e simultâneamente carinhosos.
Culminou. Findou. Rendes-te aos lençóis brancos, enquanto te beijo lentamente e ternuramente o corpo.
Sento-me aos pés da cama. Pego no meu tabaco de enrolar Lucky Strike e enrolo um cigarro.
Dirijo-me à cozinha para arranjar uma bebida para nós.
Fitei a garrafa de champanhe, e a de vinho tinto de 87. Tirei a de champanhe.
Dois copos de Fátima Lopes, cheios até ao cimo. Regresso ao quarto.
"- Que estamos a celebrar amor?", perguntas-me tu com um ar espantado, misturado com um ar extasiado.
"-Nada em especial. Apenas celebramos a nós. A ti e a mim, mais ninguém", dizia-lhe enquanto sorria e lhe dava uma mordidela no lábio inferior.
Levantando os copos, dizemos uníssonamente: " -A nós.
Para Sempre"
Tiago Mendes
22/07/2010
Música de Momento: Cunnie Williams - Hopefully It Won't Happen